Bonecas hiper-realistas e que aparentemente bebês dormindo têm chamada atenção — e, por vezes, despertado estranhamento — em redes sociais, vitrines especializadas e grupos dedicados ao tema. Conhecidos como bebês reborn, esses bonecos são cuidados por adultos como se fossem filhos reais: são vestidos, alimentados, levados para passear e até registrados com certificações fictícias de nascimento.
Embora, à primeira vista, a prática possa parecer apenas um hobby exótico ou uma excentricidade, o aspecto carrega dimensões psíquicas profundas e que merecem atenção. “A relação com um bebê reborn é, muitas vezes, uma forma simbólica de cuidar de si mesma — de partes frágeis, feridas ou não elaboradas da própria história emocional”, afirma a psicanalista Fabiana Guntovitch, especialista em Comportamento.
Segundo o especialista, a prática pode estar relacionada a questões como luto perinatal, infertilidade, solidão afetiva ou mesmo uma forma inconsciente de evitar os desafios reais da maternidade. "O reborn representa uma maternidade idealizada: um filho que não chora, não exige limites, não adoece, não cresce. É uma figura de amor total, mas sem os riscos, frustrações e renúncias da maternidade real", explica ela.
Sob a ótica da psicanálise, o uso de bebês reborn pode ativar mecanismos de projeção, identificação e evidências inconscientes de reparar experiências de perda ou abandono. Para algumas pessoas, uma boneca se torna um espelho de seus próprios desejos, medos ou traumas não simbolizados. "O que um bebê reborn nos mostra é que o desejo de amar e de ser amado encontra caminhos complexos e, por vezes, silenciosos. Cabe a nós reconhecer que, mesmo nos vínculos com o inanimado, há algo pulsando: um pedido de acolhimento", entrega Fabiana.
Embora o aspecto tenha ganhado mais visibilidade recentemente, principalmente nas redes sociais, nos últimos anos, a procura pelos bebês reborn cresceu significativamente, especialmente entre mulheres de meia-idade e idosos. Em contextos terapêuticos, como o cuidado com pacientes com demência ou em processos de luto, essas bonecas podem inclusive desempenhar um papel simbólico positivo. “O problema aparece quando o vínculo com o bebê renascido passa a substituir as relações humanas”, alerta Fabiana. “Quando há um apego excessivo, pode ser sinal de sofrimento psíquico, isolamento afetivo e dificuldade de lidar com a realidade emocional”, emenda o psicanalista.
Mais do que julgar, o convite é à escuta e à empatia. “Esse bebê não é um outro com quem se construiu uma relação, mas um reflexo daquilo que a pessoa deseja, teme ou tenta reparar”, finaliza o psicanalista.
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